terça-feira, abril 12, 2005

ÓDIO AO PASSADO

É costume virarmos as culpas contra um tempo impossível recuperar. Mas é isso o que realmente sucede quando a frustração invade o intimo pessoal e, todos sem excepção, sentem o rumo dos acontecimentos deixar as suas marcas, em certo ponto dolorosas...
A revolta contra o passado político é de todas as desilusões, aquela que mais pretextos obtém, sobretudo entre as camadas intelectuais. O povo anónimo deixa-se envolver no mesmo espírito colectivo dos fabricantes dos dramas da politiquice e absorve o vírus revolucionário dos contadores de "histórias da vigarice". Por detrás desta encenação pré-elaborada, está um ideal que quase ninguém descortina. Servem-se da comunicação social para difundir o seu estratagema da simples conquista de simpatizantes e, se o poder não é conquistado, pelo menos o direito à oposição está garantido.
O negócio está em tudo que faz parte da vida quotidiana das pessoas. A mesma teia é montada para desfavorecer os injustiçados de outrora, já que os legisladores, se mudam alguma coisa, na generalidade visam, fundamentalmente, melhorar os rendimentos a todos aqueles que melhor souberam aproveitar as benesses da "outra senhora".
Os "chicos espertos" nunca levantaram um dedo sequer em defesa dos humildes. Escondidos como ratos no seu esconderijo, espreitaram a oportunidade para saírem a terreiro, gritar bem alto a sua indignidade contra a ditadura. Fazendo valer os seus dotes de "democratas à força" e os pergaminhos de bons oradores, discursam e comentam os mais variados "itens" bastante sugestivos, cujo objectivo primordial é denegrir a imagem do passado.
É preciso conhecê-los de ginjeira para não nos deixarmos cair na tentação das palavrinhas mansas, algo refinadas, que no fundo, os interesses são medidos à velocidade supersónica, que nos deixam perplexos, ou pior ainda- sem qualquer hipótese de reacção, perante um cenário de "contos do vigário", quais artistas ensaiados para nos iludir e corromper.
Sempre que os "senhores da política" merecem honras de entrevista para publicação digna de realce, eles armam-se de "gloriosos conquistadores" da democracia plena e de puros servidores dos pacatos cidadãos. É o caso de Pacheco Pereira, que se fartou de bater nos defuntos do regime anterior à liberdade que os "capitães de Abril" nos brindaram em 1974, numa conversa que ele concedeu à revista "Selecções do Reader's Digest".
Com direito à opinião de ver publicadas algumas afirmações suas, relativamente a elogios a figuras marcadamente polémicas, como foram na sua vida governativa: Mário Soares, Sá Carneiro e Cavaco Silva, então melhor seria ver ressuscitar Salazar e Marcelo Caetano, uma dupla de sucesso, muitas léguas- luz, comparativamente ao famigerado trio de má memória, para quem desfrute de perspicácia e de olfacto político para avalizar tudo que é sentido único em prol da Nação.
Às vezes sinto uma certa dó, ver a nossa juventude ser enganada por estes comentadores de fachada, bem pagos para "armarem aos cágados", fazendo o papel de "coitados do antigo regime" e de lutadores natos. Quando, ao fim de contas, se calhar estaríamos protegidos devidamente pelos ministros do Estado Novo!
Os aldrabões da política estariam caladinhos e, se quisessem vencer na vida, não seria através de comentários e prosas de carácter obsceno, como aquele alusivo aos pseudo-heróis da pátria, desses três sujeitos que mais não fizeram do que alimentar ilusões aos dignos e sacrificados trabalhadores.
Mete, na realidade, alguma dó, ver enriquecer tanta gente instruída, sem honestidade e a compaixão prática pelos concidadãos, desesperados por melhores condições de vida.
Falta muito pouco tempo para a comemoração do "Dia da Liberdade", altura propícia para mais umas tantas homenagens e condecorações a figuras de relevo, para entretenimento dos abençoados pelo novo regime.
Ao longo destas décadas, o discurso mantém-se intacto: "fazer regressar os nossos emigrantes e integrá-los na nossa sociedade, está quase"- louvor aos nossos compatriotas que procuraram vida melhor além-fronteiras, investiram nesta ilusão da democracia; porém receiam ser apanhados nesta "banha de cobra", para a qual não estão devidamente preparados.
É assim que uns sobrevivem em melhores condições e vida estável do que outros, envolvidos na mensagem profética dos propagandistas do actual sistema político. Todo o cuidado é restrito para quem procura alimentar esperanças num futuro melhor. Arremessar as culpas para um passado longínquo, fugindo à realidade dos factos históricos é pura demagogia. Convém estar atento!
António Oliveira